Andei dias a ler o que se escreveu sobre o discurso proferido por Cavaco Silva na sessão solene do 25 de Abril na Assembleia da República... Escreveu-se por aí, se bem percebi, que terá sido dos mais luminosos discursos de um inquilino de Belém perante o Parlamento. E eu, que gosto de associar ideias, pensei logo que a grandeza do momento talvez estivesse ao nível da Aparição da Virgem aos pastorinhos... É verdade que o homem já havia cantado a Grândola em campanha eleitoral, coisa de desconfiar. Mas – caramba! - se aparecia assim ao País, sem que nada o anunciasse nestes preparos de homem com ditos de esquerda, mais se justificaria falar de milagre do que naquele dia de 1917 em que se diz que o sol bailou na Cova da Iria... Eu poderia escrever aquilo. Você, caro leitor, também. Mas dito por um chefe de Estado tem outro peso, claro. E se esse chefe de Estado for Cavaco, ainda mais. Ouvi-lo falar de desertificação, pobreza, exclusão, cravos, revolução, não é todos os dias. Melhor do que isso: é como entregar um argumento de Manuel de Oliveira a Oliver Stone... Depois lembrei-me que, em 30 anos, Cavaco foi Primeiro-Ministro durante dez. Ininterruptamente. E que o País esquecido, abandonado e atropelado pelo «p´ogresso» também é do tempo dele. Recordo-me também que foi no tempo dele que as auto-estradas e as obras faraónicas deixaram um certo Portugal para trás. E que ganhou fôlego a caridadezinha e o assistencialismo, coisas que, como se sabe, dão cama, pão e roupa lavada a muita gente, mas não a torna senhora do seu próprio destino... Daí que, se não me levarem a mal e dadas as circunstâncias, também me apeteça parafrasear Ruy Belo e fazer da poesia, prosa. É que também eu gostaria de falar do país do professor Aníbal, mas isso era o passado e podia ser duro, edificar sobre ele o Portugal futuro.
Miguel Carvalho in Visão.
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