terça-feira, janeiro 30, 2007

Opinião

A defesa do Deus varão

Penso que a Carta aos bispos da igreja católica sobre a colaboração do homem e da mulher na igreja e no mundo passou despercebida a alguns dos defensores do “não”, na medida em que continuam a basear os seus argumentos contra o aborto, numa consciência moral e religiosa, a meu ver, falaciosa. Digo alguns, porque a maioria dos europeus, lembro-me, recebeu-a como uma simples “anedota” mal contada. A Carta é, na realidade, uma das piores criações intelectuais do Vaticano, durante o papado de João Paulo II. Os erros de lógica que contém e a pobreza filosófica que a sustentam são surpreendentes, tendo em conta que é assinada pelo então Cardeal Ratzinger, considerado um dos mais brilhantes ideólogos da igreja Católica. As debilidades desta carta mostram que, nem um homem como Ratzinger pode defender o indefensável.
Como se fosse dirigida a extraterrestres que desconhecem a história de erros e horrores da Igreja, começa logo por, mais uma vez, repetir ao mundo a sua máxima arrogante em que se auto-proclama como uma instituição “perita em humanidade”. Como pode ser perita em humanidade uma instituição que depois de quase dois mil anos de existência, publica um documento revelando que os seus dirigentes ainda não conseguiram entender as aspirações e necessidades das mulheres, que são cinquenta por cento da humanidade? Como pode declarar-se “perita” em humanidade uma instituição que comete a barbaridade de argumentar que as mulheres têm uma inclinação natural, pelo que “desenvolve em si o sentido e o respeito do concreto, que se opõe às abstracções, muitas vezes mortais para a existência dos indivíduos e da sociedade”. Traduzindo: as mulheres não se inclinam (não têm tendência natural a entender) para o abstracto, ou seja, para as ideias, a filosofia, a teologia, etc. Melhor dizendo: segundo Ratzinger, as mulheres não devem nem podem tentar ascender o plano existencial concreto da sua cozinha!
A carta identifica duas correntes ou tendência de pensamento. A primeira, “sublinha fortemente a condição de subordinação da mulher, procurando criar uma atitude de contestação. A mulher, para ser ela mesma, apresenta-se como antagónica do homem. Aos abusos de poder, responde com uma estratégia de busca do poder.”.
A segunda, continua dizendo a carta, “emerge no sulco da primeira. Para evitar qualquer supremacia de um ou de outro sexo, tende-se a eliminar as suas diferenças, considerando-as simples efeitos de um condicionamento histórico-cultural. Neste nivelamento, a diferença corpórea, chamada sexo, é minimizada, ao passo que a dimensão estritamente cultural, chamada género, é sublinhada ao máximo e considerada primária.”
Efectivamente, as mulheres há muito que lutam por alcançar uma melhor distribuição da poder entre os homens e as mulheres no Estado, na sociedade, dentro dos partidos, dentro da família, nos processos de formulação de políticas públicas e até mesmo dentro das igrejas. A crítica desta carta do Vaticano é surpreendente, na medida em que a luta pela justa distribuição do poder, é a dinâmica essencial da democracia. Devemos no entanto entender que a democracia é uma ideia e uma prática alheias à vivência daqueles que operam dentro das estruturas verticalistas e autoritárias do Vaticano. A igreja condenou a mulher a parir sem limites e sem condições. Não importa a sua idade, não importa a causa da sua gravidez, Não importa se se trata de uma jovem violada e engravidada. Ao mesmo tempo, a Igreja perpetuou a imagem da mulher como um símbolo das debilidades da carne. Virgem é a Maria, esposa do carpinteiro, para exorcizar a sexualidade humana. O homem, por sua vez, representa a força do espírito que, elevando-se sobre a “natural” tendência ao pecado pela mulher, converte-se no representante de Deus na terra. Só um homem pode ser Papa ou sacerdote. Só um Ratzinger sabe o que querem e o que precisam as mulheres. Deus é varão. Putas e pecadoras são, ou se inclinam naturalmente a ser, todas as madalenas...
A bíblia e a igreja foram, desde sempre, o maior obstáculo para o processo da emancipação da Mulher.
Exemplo de alguns excertos do Antigo Testamento:

- Levítico 12: 1, 2 & 5
Deus falou a Moisés e disse:
Fala com os filhos de Israel e diz-lhes: "A mulher quando conceber e der à luz um varão, será imunda 7 dias… e se der à luz uma menina, será imunda duas semanas…

- Efésios 5: 22 & 23
As casadas estão sujeitas aos seus próprios maridos, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, assim como Cristo é a cabeça da igreja, a qual é o seu corpo, e ele é seu Salvador.

- Romanos 7: 2
A mulher casada está sujeita à lei do marido enquanto ele viver: mas se o marido morrer, ela fica livre da lei do marido.
- Pedro 3: 1
Assim vós, mulheres, estais sujeitas aos vossos maridos; para que também os que não creiam na palavra de Deus, sejam considerados gado sem palavra, pela conduta das suas esposas…

- Corintiuos 14: 34 & 35
As vossas mulheres devem calar nas congregações: porque não lhes é permitido falar, porque estão sujeitas, como diz a lei. E se quiserem aprender algo, perguntem em casa aos seus maridos; porque é indecoroso que uma mulher fale na congregação.

- Timoteo 2: 11- 15
A mulher deve aprender em silêncio, com toda a sujeição.
Não permito que a mulher ensine, nem exerça domínio sobre o homem, deve ficar em silêncio. Porque Adão foi formado primeiro, e depois a Eva; e Adão não foi enganado, mas sim a mulher, que ocorreu em transgressão. Mas se salvará parindo filhos, se permanecer em fé, amor e sacrifício, com modéstia.

Como responde a igreja a esta clara demonstração de machismo bíblico? Dissimulam, tentam evadir-se, mudam de tema, dizem que a bíblia transformou muitos com a sua bondade, ou inventam mentiras de maneira a justificarem a bíblia como o livro santo e puro. Pode uma pessoa racional considerar que a Bíblia é útil nos nossos dias como fonte de conselhos? E mais: que devemos acreditar em tudo o que nela está escrito?

6 comentários:

Anónimo disse...

De facto, e seja qual for a posição de cada um em relação ao referendo iminente, a igreja não poderá ser argumento. Em primeiro lugar, porque nem todas as mulheres que abortam são católicas, em segundo porque a igreja já deu provas de que se encontra ultrapassada, ou seja, seja o que for que o Deus deles pense, certamente, não será o mesmo que o do comum dos mortais que são obrigados a viver a realidade.
Talvez se deva pôr em questão a instituição que é a Igreja, porque não considero que nunguém possa ser mentor da fé de cada um.

Anónimo disse...

Quanto obscurantismo! É com ele que que a Igreja (as igrejas) fazem a cabeça das pessoas para as dominarem.

Anónimo disse...

Fiquei com dúvidas se deveria colocar o comentário que se vai seguir, mas como ser indiferente não é propriamente uma das minhas características e mesmo considerando a nenhuma importância que concedo ao caso, não quero deixar de estranhar a saída do Foice dos Dedos da lista de blogues linkados. Terá a ver com uma critica que fiz a um certo partido? Se é lamento pelo que revela de pouca cultura democrática e de sectarismo se não é o meu respeito total pela opção e as minhas desculpas, mas não tinha como calar a minha surpresa, presumindo que se tenha devido a esse aspecto,embora repita, a falta do link não seja coisa que esteja nas minhas preocupações em caso algum.

Lovely Toys disse...

Fernando: o seu comentário foi oportuno, na medida em que ainda não tinha reparado na falta do link do seu blog e de um outro. Acontece que, há dois dias, deparei-me com um erro no blog e, ao tentar resolver, fiquei sem template. Recuperei entretanto o backup que guardo frequentemente, mas o Foice dos Dedos não passou a constar dos links, ua vez que, tendo sido adicionado há pouco tempo, ainda não constava do backup referido.
As críticas, sejam elas políticas ou não, desde que construtivas e não ofensivas, são sempre uma mais valia. A democraca faz-se na pluralidade das ideias.

Anónimo disse...

Eu gostava de saber como interpreta a igreja a criação dos sere viventes quando diz que os criou macho e fémea e só uns capitulos mais à frente é que reparou (Ó que distracção) que o homem não tinha femea! Das duas uma ou o macho homem criado era hermafrodita ou de facto criou macho e femea em igualdade de deveres e direitos. A criação de Eva como coadjutora, saída da costela de Adão, não passa (aliás como tudo o resto) de falsificação, aberração ou alteração das escrituras. Não digo que as fémeas são seres mais inteligentes mas a não ser a excepção do cavalo marinho (e há sempre uma excepção à regra) a única que pode continuar a espécie.
Assim temos muito mais poder que os ditos machos, que criaram as leis para não podermos fazer o que as louva a deus fazem aos machos depois do acto sexual. Os machos que pensem nisso.

Anónimo disse...

Olá Magnólia! Este é um post especial, porque, neste período de referendo, percebemos que realmente em Portugal o catolicismo é ainda uma influência opressora sobre a sociedade. É claro que não falo de uma entidade abstrata «Igreja», falo dos 90% de católicos que compõem a população.
Por mim, orgulhosamente ateu, mas que sempre acompanhei o fenómeno em família, gosto sempre de relembrar aos católicos algumas das melhores passagens do seu Livro Sagrado. Esta é uma das mais arrepiantes e minhas favoritas:

«Génesis 3:16 Para a mulher Deus disse: - Vou aumentar o seu sofrimento na gravidez, e com muita dor você dará à luz filhos. Apesar disso, você terá desejo de estar com o seu marido, e ele a dominará.»

A condenação eterna da mulher.

A Igreja em Portugal continua a pensar a Bíblia literalmente, e numa lógica chauvinista do homem dominante