segunda-feira, janeiro 22, 2007

Alienação


Carta de um pai laico a seu filho

Eu não quero deixar-te prisioneiro de uma organização que primeiro te injecta o veneno do complexo de culpa, para depois te vir dizer que o único antídoto o têm eles. Não quero que te incutam uma moral tão astuta que considera mais perigoso uma mama que uma pistola ou um artefacto capaz de arrasar uma cidade inteira.

Não quero que te ensinem a dividir a humanidade em bons e maus, em fiéis e infiéis, em os "nossos" e os outros. Não quero que manchem com o pecado original a tua alma imaculada, nem que vendam a tua inocência a algum sem vergonha qualquer da sua organização, oculto e salvo pela sua hierarquia.

Não quero que matem a tua rebeldia com um punhal de resignação, nem que ameacem a tua bendita ousadia com um inferno à sua medida. Não quero que troquem pela tristeza a tua imensa alegria, que confundam a tua perspicácia com o mais além e o mais aqui, que as promessas de vida eterna te façam esquecer o compromisso frente à eterna maldita vida dos de sempre, que injusto seja normal e irmãos não sejam todos, que de tanto olhar o céu te esqueças do chão que pisas.

Não quero que ninguém dirija a tua cama, que uns homens que vivem sós te digam o que é família, que a injustiça social é apenas inveja, o impulso natural é lascívia e a liberdade um pecado. Não quero ver-te expiar as suas culpas, perdido nas suas turbulências sem razão nem coração, tão dependente dos santos que não repares que todos os outros somos tantos, não quero que te troquem um beijo por um paraíso, nem um abraço por uma chicotada, que te substituam a solidariedade pela caridade.

Não quero para ti nem o seu céu nem o seu inferno eternos, não quero o seu bálsamo de não pensares, o alívio do perdão por coisa nenhuma, a cruz do complexo de culpa ou o flagelo do castigo divino, não quero que compres almas por um prato de feijão, nem que ajudes a vestir os nus em troca de substituíres o Deus que reza. Para ti, meu filho, quero paz de verdade, paz de humano, paz de irmão, amor de verdade, amor de humano, amor de irmão, esperança de verdade, esperança de humano, esperança de irmão, para ti quero todas as mãos, toda a paz, todas as esperanças e todo o amor, porque para ti desejo que todos os seres humanos sejam teus irmãos, sem distinção de raça, sexo ou credo, para ti quero a plenitude de ser humano, irmão, inteiro e sem medo.

Gonzalo Morales, 22 de Janeiro de 2005

1 comentário:

DE CORPO E ALMA disse...

As contradições da Igreja Católica e das outras são enormes, mas arrogam-se de só eles saberem dirigir os homens pelas veredas que criaram, sem dó nem piedade das almas que salvam ou condenam. Como se fosse possível a um homem dizer onde está a salvação de outro.