orquê o nome “terroristas”? Quem foi que os adjectivou assim? Que reacções provoca esta palavra a quem a escuta? O dicionário diz que terroristas são aqueles que comentem actos de terrorismo, definindo-o como o conjunto de actos de violência cometidos por uma organização, com o intuito de criar um clima de insegurança para derrubar o governo.
Terrorismo é um neologismo adjectivado do “terror” e dizer terror é dizer medo, atemorizar… É também, utilizando homónimos, falar em pavor, pânico. O terror está intimamente ligado à violência, que pode ser súbita ou persistente. O terror expressa uma situação extrema que fragiliza a condição humana, que a obriga a pensar em termos de sobrevivência, que subverte todos os padrões da normalidade e todos os valores éticos. O terror, evidentemente, é uma sensação individual, subjectiva, intimamente vinculada a mecanismos de instintivos de defesa e protecção, mas a sua acção é sempre desencadeada no âmbito social; é uma linguagem que nasce do desespero e que estabelece uma simbiose estranha com o contexto que a origina.
O terrorismo, evidentemente, é social. Está desenhado para nos atingir individualmente, mas concebido para actual globalmente. Funciona com a lógica do castigo, da advertência, da discriminação, da perversidade. O terrorismo impõe metas, marca fronteiras e estabelece uma classe de vítimas e sacrifícios. Escolhe as suas vítimas e as formas de comunicação para que o terror seja apreendido na sua forma mais pura.
O terrorismo existe para gerar medo e o medo só tem razão de ser quando é colectivo, quando se propaga pelas ranhuras da consciência e se instala em cada indivíduo. Esse medo paralisa, destrói os princípios da solidariedade, faz de cada ser humano uma partícula de violência. Esse medo corrói a memória, gera temores, provoca ressentimentos e altera as relações com os outros, rompendo qualquer possibilidade de solidariedade.
Quando a sociedade inteira é aterrorizada, dominá-la torna-se mais fácil. O terrorismo, contrariamente à sua acepção no dicionário, não é a acção de uma qualquer organização para provocar instabilidade e derrotar o governo. Na realidade, o terrorismo é uma estratégia para atemorizar o colectivo, é a perversidade do poder absoluto que pretende obter a submissão total, é uma táctica de amedrontamento feita para destruir o inimigo, é o apelo à violência social na sua forma historicamente mais pura, é a consequência da utilização e da administração preconcebida do medo, é o “grau zero”da solidariedade.
O verdadeiro terrorismo não está na bomba que explode num centro comercial, na rua ou noutro sítio qualquer. Essa bomba provoca surpresa, indignação, dor, ira, desejo de vingança, mas nunca um medo persistente, quotidiano, permanente. A planificação do medo requer uma actuação mais sistemática e elaborada, ou seja, mais técnica. Alguns regimes totalitários provocaram verdadeiros genocídios sem o mínimo protesto ou resistências de maior por parte das suas sociedades. Na sua planificação do medo, as razões do poder converteram-se em razões da história e foi impossível contrariá-las, resistir-lhes. Esta é a obsessão do terror, impossibilitar a resistência e torná-la também impensável.
As ditaduras do sul da América Latina, nos anos 60 e 70, fizeram do medo uma estratégia oficial para sustentar uma guerra suja contra os seus povos; Israel utiliza o terrorismo para dominar e controlar o Médio Oriente fazendo na realidade, do terrorismo, uma verdadeira política de Estado. Se o terrorismo é a planificação, administração e execução sistemática do medo, através do uso estratégico do terror, então afinal quem são os que podem ser considerados terroristas? Sabemos que aqueles que administram o medo e a violência não são chamados de terroristas. Aqueles que se justificam dizendo que recebem ordens, os soldados que participam em verdadeiras carnificinas com o pretexto de destruir o inimigo ou aqueles políticos que legitimam e defendem o uso do terror, jamais foram acusados de terroristas ou de favorecer o terrorismo. A ninguém lhes passa pela cabeça que o governo israelita, por exemplo, possa ser assumido como um governo terrorista, mas em contrapartida, em virtude de um processo de transferência de conotações, os terroristas serão aqueles que utilizam as formas mais artesanais da violência, quase sempre como resposta última e desesperada perante o outro terrorismo. É esta transferência de significantes que possibilita uma cómoda distribuição social de culpas e castigos. Em suma, os terroristas serão aqueles que caiam no jogo de responder à violência do poder com a violência da resistência. Durante o III Reich alemão, a resistência estava tipificada como terrorismo. O governo israelita também qualificou como terroristas os povos árabes palestinos. Os Estados Unidos encontraram no terrorismo a base de sustentação ideológico-política para o seu projecto de expansão imperial. A figura do “terrorista” serve de cobertura e de expiação. É uma figura necessária e imprescindível, que permite a construção de um discurso político e de uma actuação histórica, feita para manter o poder e a sua vigência continuada. O poder usa essa figura para construir discursos, consensos, unificar vontades, disfarçar intenções, articular estratégias e impor sanções e controle. A construção da figura do terrorista cria um rosto sem cara, que pode facilmente ser assumido como o inimigo “real” desse poder. É a construção de um ident-kit, no qual se podem adaptar, segundo as circunstâncias, perfeitamente os nossos próprios rostos.
Os verdadeiros terroristas querem que o mundo inteiro se adeqúe aos objectivos do seu próprio pensamento: pensar como eles, ser como eles, aparecer como eles, colaborar com eles.
Na verdade, o terror que nasce do poder necessita justificar-se, necessita uma vítima propiciatória que justifique os seus excessos e que perdoe as suas atrocidades. Então, aponta-nos os terroristas e diz-nos que são homens sem escrúpulos, instrumentos do mal que é necessários eliminar. Todos podem ser apontados como terroristas: os contestatários mais radicais, os sindicalistas, o movimentos rebeldes, os intelectuais comprometidos, os árabes muçulmanos… ninguém está seguro, e esse é mesmo o objectivo. A verdade é que são muitos os regimes que se dizem democráticos, e que fazem da administração sistemática do medo, a sua essência de poder.
A que chamo eu terrorismo afinal?
O verdadeiro terrorismo é aquele que é exercido pelos que simplesmente carregam nos botões, conduzem mísseis “inteligentes” assassinos, ordenam terríveis bombardeios e asfixiam economicamente os povos realmente inocentes. Este terrorismo de estado e de “colarinho branco”, que se exerce sem o mínimo pudor, comodamente sentado numa poltrona e sem arriscar minimamente a sua integridade pessoal, é muito mais baixo, mais indigno, mais cruel e mais cínico que a violência daqueles que usam a sua própria vida, o único que lhes resta, para defender as suas ideias e contra atacar os seus inimigos.
"Os desabafos que se seguem têm seguramente todas as desvirtudes dos desabafos: para pouco servem e arriscam-se a não encontrar grandes concordâncias. Apesar de tudo, não devem ficar abafados..."
sexta-feira, maio 11, 2007
Opinião
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5 comentários:
Excelente!!
O terrorismo, actualmente,é praticado por aqueles que não saiem de um gabinete luxuosamente decorado, com acesso a todos os meios de manipulação e entimidamento!! O resto, todos os outros, são peças triviais de jogo manipulado!!
O medo talvez seja o mais eficiente instrumento de manipulação e controle.
Um artigo muito bom Cara Amiga.
Preocupa-me de facto todos os terrorismos de Estado, como os que são praticados pelos EUA, em nome de uma Liberdade e uma Democracia, que todos sabemos como realmente é. Ou podemos falar de Israel em relação ao Povo Palestino.
Uma Boa Semana
Tenho estado um pouco distante , mas de qualquer modo estou de volta e deixei uma surpresa no Alentejo.
Quem se lembra das notícias nos jornais na época de 60,70,80? As referências falavam disso... os terroristas ( lembrando as ex-colónias) eram assunto presente.
Claro que a crueldade dos actos contra o ser humano inocente difícilmente tem perdão(acho que não tem),mas não se esqueça que às vezes o fogo combate-se com o fogo e a sede de liberdade e a luta pelos direitos tem custos elevados. O problema está na conotação das palavras e poucas vezes com os actos ou os actos com a justeza das razões. Pura confusão.
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