sexta-feira, abril 27, 2007

Rescaldo

AC/DC

"Que Abril seja, ainda e sempre, mais do que memória e simbolismo. Antes de Cavaco. Depois de Cavaco. Sem Cavaco"F

oi preciso vir um homem que nunca festejou o 25 de Abril na rua dizer-nos a verdade: as comemorações da revolução dos cravos estão a precisar de se libertar do mofo.
Quem tem Abril inscrito nos genes já tinha percebido que as portas que o poema abriu não chegaram para arejar as ideias e abrir janelas ao ar do tempo.
Entre aqueles que cumprem rituais de caminhadas e vivas pelas avenidas abaixo – e eu sou um deles - a ironia afia-se todos os anos.
Contam quanto tempo falta para serem comparados aos velhinhos do 5 de Outubro, lamentam que os cravos sejam de estufa e sem cheiro, olham para o lado e esbarram nas caras da última vez, mais envelhecidas. «Sempre os mesmos», comentam.
Mas algo os impele, até num dia de temporal, a sair de casa, a ouvir as canções de outrora (ou de sempre?), ensopadas, e a usar o guarda-abril nos dias de tempestade. Nada a fazer. Quem anda às revoluções, molha-se.
Ora, o Presidente da República, ao ter razão na circunstância, perde-a por causa de um problema de memória. Já lá vamos... Mas diga-se, desde já, que não é só Cavaco a sofrer da doença: finalmente, uma ministra da Educação reconheceu que o 25 de Abril e o seu significado andam «ausentes» dos manuais escolares. Talvez seja por falta de tempo ou vontade para dar a matéria. Ou páginas a menos.
Nas minhas aulas de História do velhinho – e, já agora, concluído - 12º ano, lembro-me de uma professora que decidiu passar ao lado da matéria do dia e falar da revolução. Teve um pretexto: irritou-se quando uma aluna entradota, típica das aulas nocturnas, lhe disse: «O 25 de Abril foi um golpe reaccionário». A mulher passou-se.
Nesses tempos do meu 12º ano, Cavaco era primeiro-ministro. (Sim, ele já foi primeiro-ministro, daaaa! Dez anos). Tirando os primeiros tempos do pós-revolução, onde os sonhos ainda estavam al punto e a esperança não era entregue de bandeja aos partidos, a prática política das figuras que nos foram desgovernando desonrou o legado deixado por homens como Salgueiro Maia.
O cavaquismo foi a esse respeito um período de excelência. Lembro-me de festejar a Abril num País entalado em manchetes diárias de promiscuidades políticas, traficâncias, benesses, corrupções, fraudes, arranjismos e um farto catálogo de indignidades e decisões sem pingo de ética, vergonha ou pudor. Houve também cargas policiais, fundos europeus desbaratados, universidades privadas criadas como cogumelos e alimentadas por turbolicenciados com poder político e influências. Eles andam aí.
A isto se resume o reinado de Cavaco? Não, mil vezes não!, diria o Almada do Dantas. Mas talvez explique uma coisa simples: as comemorações de Abril precisam tanto de uma reciclagem como precisa a política, os seus protagonistas, e a democracia.
Se as comemorações falham na mensagem, quem nos governa e governou cometeu pecado maior: faltar ao prometido.
Se falta criatividade e marketing ao 25 de Abril, que os cravos sejam kravos, que se faça um rap da Grândola e se troque o fogo de artifício por poemas lançados do céu.

Mas que Abril seja, ainda e sempre, dever cumprido.

Mais do que memória e simbolismo.

Antes de Cavaco. Depois de Cavaco. Sem Cavaco.

Miguel Carvalho in Visão

terça-feira, abril 24, 2007

25 de Abril II

O processo contra-revolucionário

O

avanço e a continuação do processo democrático da revolução de Abril foram entretanto comprometidos, paralisados e interrompidos por virtude de numerosos factores:
- A inexistência de um poder político com um programa definido e empenho em realizá-lo;
- A incapacidade para uma rápida estrutura global de um Estado democrático;
- As divisões, os conflitos e ulteriormente os confrontos no MFA permitindo a retomada progressiva de posições nas Forças Armadas por elementos e conservadores revanchistas;
- A colaboração do PS e de sectores democráticos do MFA com os sectores mais conservadores e golpistas no novo quadro do poder;
- O esquerdismo e fortes tendências e correntes de radicalismo no campo democrático e em algumas organizações do PCP;
- O apoio à reacção interna, ingerências e pressões financiara, económica, política e diplomática do imperialismo;
- O acesso ao poder de forças conservadoras nos países capitalistas mais desenvolvidos e o agravamento da situação internacional.
O conjunto destes e outros factores inseriu no processo revolucionário profundas contradições, conduziu a uma acentuada irregularidade, a uma instabilidade crescente e a variações constantes da correlação de forças, e abriu caminho ao avanço das forças reaccionárias e conservadoras do sistema de poder e à formação de alianças que viriam a culminar com o 25 de Novembro.

Abril no futuro


A s históricas conquistas da revolução de Abril criaram condições para um desenvolvimento económico, social, político e cultural.
O processo contra-revolucionário adiou a concretização de tal perspectiva, mas muitas das conquistas e valores da revolução de Abril criaram e mantêm fundas raízes na vida e na realidade nacionais.
A democracia política, embora intimamente relacionada com a democracia económica, social e cultural, possui um valor intrínseco pelo que é necessário salvaguardá-la e assegurá-la como elemento integrante e inalienável da sociedade portuguesa.
A liberdade é um elemento básico essencial na democracia. É pressuposto de um regime de liberdade a igualdade de direitos, deveres e oportunidades dos cidadãos, sem discriminações por motivo de sexo, de raça, de convicções políticas, de crenças religiosas, de situação económica e de condição social.
O melhoramento das condições de vida e o desenvolvimento económico são elementos indissociavelmente complementares na vida democrática. Assim, precisamos entender que o desenvolvimento económico deve ter como um dos principais objectivos a eliminação da pobreza, das gravíssimas carências, injustiças e desigualdades sociais dos portugueses, o aumento do seu bem-estar material e cultural, a garantia dos seus direitos sociais.
Assim, devem ser assegurados:
- O direito ao trabalho e à justa remuneração;
- O direito à segurança social;
- O direito à saúde;
- O direito à educação, à ao ensino e à cultura;
- O direito à habitação;
- O direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado;
- O direito das mulheres à igualdade, assegurado no plano jurídico e no plano material;
- O direito dos jovens ao ensino, à realização e formação profissional, ao trabalho;
- O direito dos idosos a uma vida digna;
- O direito dos deficientes a uma vida integrada na sociedade como cidadãos de pleno direito.
E não basta que fique na lei o reconhecimento dos direitos sociais dos cidadãos. É necessária uma política que, pelas suas orientações e pela sua realização, os assegure na prática.

segunda-feira, abril 23, 2007

25 de Abril

A Revolução Inacabada

A

revolução de Abril constitui um dos mais importantes acontecimentos nos oito séculos da história de Portugal, uma realização da vontade do povo, uma afirmação de liberdade, de emancipação social e de independência nacional.
Iniciada com o heróico levantamento popular, pôs fim a quase meio século de ditadura fascista, pôs fim à guerra colonial reconhecendo aos povos das então colónias portuguesas o direito à completa e imediata independência, alterou significativamente o enquadramento de Portugal no conceito internacional e realizou profundas transformações políticas, económicas e sociais que abriram na vida do país um novo período da sua história marcado pela liberdade e pelo progresso social.
Revoluções tão profundas não se resumem a um acto revolucionário: constituem um processo que pode ser mais ou menos demorado e acidentado. A revolução de Abril é uma revolução inacabada.

As conquistas de Abril


A revolução de Abril correspondeu, não apenas a condições objectivas da sociedade portuguesa e às necessidades do desenvolvimento económico, do progresso social e do melhoramento das condições de vida da população, mas também à vontade do povo.
A revolução de Abril transformou profundamente a realidade nacional e o posicionamento de Portugal no mundo:
- Instaurou liberdades democráticas fundamentais e direitos básicos dos trabalhadores e dos cidadãos: a liberdade sindical, de reunião, de associação, de expressão, de imprensa, direito à greve;
- Institucionalizou a igualdade de direitos do homem da mulher e os direitos dos jovens;
- Pôs fim à guerra colonial e deu uma directa contribuição para a independência de povos secularmente submetidos ao colonialismo português;
- Institui uma democracia política entre cujos elementos básicos se contam os princípios da igualdade de direitos e da proporcionalidade no sistema eleitoral, o Poder Local democrático e a autonomia regional nas ilhas da Madeira e Açores;
- Liquidou o capitalismo monopolista do Estado e os grupos monopolistas e o seu domínio sobre a economia e a vida nacional, criando com as nacionalizações um sector básico da economia portuguesa em condições de dinamizar o desenvolvimento económico e garantir o interesse público;
- Promoveu o melhoramento das condições de vida do povo: salário Mínimo Nacional, melhoria geral dos salários, subsídio de férias e de natal, redução do horário de trabalho, subsídio de desemprego, pensões e reformas generalizadas a todos;
-Impulsionou importantes transformações e mudanças nas esferas dos ideais, valores, atitudes e comportamentos cívicos, sociais, culturais e políticos;
-Promoveu o direito à saúde, ao ensino e à educação, à segurança social.

(continua)

quarta-feira, abril 18, 2007

A propósito de espertezas...

Sociedade e Estupidez


H á quem pense que o número de estúpidos é mais elevado numa sociedade em decadência do que numa sociedade em ascensão, e penso que é um erro grave. A verdade é que ambas vivem recheadas com a mesma percentagem de estupidez. E a diferença reside no facto de que, numa sociedade em declínio, os estúpidos são mais activos em virtude de uma maior permissividade por parte dos outros membros.

Um país em ascensão possui também uma percentagem insolitamente alta de indivíduos inteligentes, que procuram controlar a fracção dos estúpidos e, ao mesmo tempo, produzem para eles e para os outros membros da comunidade, os benefícios suficientes para que o progresso seja um êxito.

Num país em decadência, a percentagem de indivíduos estúpidos é igual. No entanto, observa-se no resto da população, sobretudo entre os indivíduos que estão no poder, uma proliferação alarmante de corruptos, "chicos espertos" com uma elevada percentagem de estupidez e, entre os outros que não estão no poder, um crescimento, igualmente alarmante do número de incautos.

quarta-feira, abril 11, 2007

Opinião

A responsabilidade do poder

Todos os dias os portugueses se sentem mais defraudados com os políticos que elegem ano após ano, e nos quais depositam todas as esperanças. O problema até nem chegaria a ser espectacular, se não fosse o facto de que o mal se tornou crónico. E se as doenças crónicas não matam mas impedem viver saudavelmente, as maleitas sociais crónicas impedem a convivência, o desenvolvimento, e são a origem de todas as delinquências. Tiremos-lhe nós o cinto, para NOSSA própria segurança!

Do ponto de vista da democracia formal, Portugal deveria ser um “modelo”, mas a realidade mostra uma falha técnica na aplicação do sistema. Se o sistema é válido mas não funciona, devemos então presumir que a lacuna se encontra no “status” dos políticos que se mostram incapazes de fazer com que a máquina do poder funcione.

Deveremos então concluir que se trata de um problema cultural endémico dos nossos políticos? Talvez que hoje, mais do que nunca, seja necessário meditar sobre os fundamentos em que cimentamos a nossa administração do poder e da nossa democracia.

Os 48 anos de ditadura parecem ter deixado na estrutura política portuguesa, a sua “marca”, no que se refere concretamente à chamada denominação do cacique. A principal característica do caciquismo é a impunidade, uma “carta sem letras” que lhes permite fazer e desfazer a seu belo prazer todo o tecido social em que se estende o seu poder. A corrupção dos políticos não é só em Portugal, todos sabemos, mas o que nos difere dos outros é a generalidade da mesma, que nos incapacita cada dia mais e mais para vislumbrar uma referência a seguir e alcançar uma solução eficaz.

A irresponsabilidade do poder assenta no facto dos políticos chegarem ao extremo de estabelecerem um “status” de impunidade para os seus actos, sejam eles de que natureza forem.

O poder, que a teoria constitucional legitima no povo, está cada vez mais nas mãos dos grupos fraccionários que controlam a comunicação social e a economia (para não falar noutros sectores sociais). Esta impunidade mencionada é, em último lugar, a causa das sucessivas fraudes com que os portugueses se deparam, ano após ano.

Se caísse sobre os políticos, como acontece com todos os outros profissionais, a supremacia da lei, pelas irresponsabilidades do seu mandato, provavelmente que a aurora de um novo futuro se deixasse antever…

quinta-feira, abril 05, 2007

Alentejanos...

Num dia de calor intenso,

em que apenas se ouve o cantar das cigarras e o silêncio do campo, debaixo de uma azinheira, aproveitando a sombra, a Ti’ Maria lavava a roupa junto ao poço.
Passou na estrada de terra um antigo conhecido, de visita à aldeia, que morava agora lá para as bandas de Lisboa, e grita-lhe: _ Ó Ti’ Maria, então você ainda não tem máquina de lavar? Ai mãe!!!!_ Eu não, homem!
_ Mas isso assim não pode ser! Prá feira, tem de ir com o Ti' Manel comprar uma máquina de lavar roupa e vai ver que é uma grande coisa!
A Tia Maria chega a casa e logo conta ao marido o que lhe disse o visitante. Combinaram então ir comprar a máquina à feira, no fim-de-semana.
Na volta, chegam a casa, instalam a máquina e a mulher atafulha-a de roupa, toda satisfeita com a compra que fez. De repente, a máquina começa aos pulos, salta do lugar e sem parar, continua aos pulos em direcção da porta.
A Ti’ Maria, em pânico, começa aos gritos ao marido. _ Manel!! Manel!! Ai… Manel! A máquina tá quase a sair à porta!
Responde o homem:
_ Ó Maria, não te apoquentes, mulher, deixa a máquina, q’ela vai estender a roupa!