
”Entre socialistas e conservadores há alternância mas não há alternativa”, Manuel Alegre, in Diário de Notícias de 21-10-2006.
”O PS está a governar com o programa com que o PSD se apresentou a eleições”, fonte não identificada do grupo parlamentar do PSD, in Diário de Notícias de 21-10-2006.
Saber o que os outros pensam de nós é indispensável se nos queremos conhecer melhor. Há poucas semanas a TVE, a televisão pública espanhola, passou um programa sobre o nosso pais. Os programas informativos da TVE são, desde há muito, reconhecidos como de grande qualidade e por isso devemos reflectir sobre o “retrato” de Portugal, que lá foi revelado.
Um país em que o interior se despovoou em favor do litoral, em que a agricultura acabou, trocada por subsídios, um país com resquícios medievais que se manifestam no facto de ainda não termos resolvido a questão do aborto, em que os fundos comunitários não foram devidamente aproveitados para modernizarmos o nosso aparelho produtivo, em que o turismo algarvio periga, ameaçado por uma especulação imobiliária desenfreada.
Nesta reportagem não houve apenas lugar para o mau, apareceram também os nichos de excelência: o que sobrou da indústria têxtil porque soube reestruturar-se tecnologicamente para responder à globalização, os vinhos, a cortiça e pouco mais. Mas o que de mais negativo este programa da TVE destacou sobre Portugal foram as desigualdades sociais, o fosso crescente entre os mais ricos e os mais pobres. Cruel, este retrato de Portugal, talvez demasiado esquemático, mas verdadeiro.
Recordo-me de quando jovem ter atravessado pela primeira vez a fronteira e ficar com a sensação de que a Espanha era um país ainda mais pobre do que nós. A democracia veio mudar tudo. Espanha e Portugal encontraram o caminho do desenvolvimento. Mas a Espanha começou bem cedo com as mudanças estruturais necessárias.
Ainda antes da adesão dos dois países à CEE, o governo presidido por Filipe Gonzalez procedeu à reestruturação do tecido empresarial espanhol. Isso foi feito com custos sociais enormes que atirou o desemprego para os 20%, valor que só nos últimos anos se aproximou de valores aceitáveis. Na mesma altura, foi reformulado o sistema fiscal e puseram os ricos a pagar impostos a sério. Consolidou-se uma classe média com alto poder de compra, o que é indispensável para que uma economia funcione bem. E a evidência aí está: dantes, a Europa começava para lá dos Pirinéus; agora é já ali ao passar da fronteira.
Um estudo publicado recentemente no nosso país, veio revelar que 20% dos portugueses vive abaixo do limiar da pobreza, isto é, um em cada cinco portugueses, é pobre. Trinta e dois anos depois da revolução de Abril, depois de muitos e muitos milhões de contos e de euros que entraram em Portugal, vindos da Europa, depois de termos sido governados alternadamente por social-democratas e por socialistas, cujos partidos proclamam como uma das suas principais bandeiras a justiça social, a situação da pobreza em Portugal deveria envergonhar quem nos tem governado. Deveria envergonhar, mas infelizmente não envergonha. Ainda por cima Portugal é o país da UE em que é maior o fosso entre os mais ricos e os mais pobres. Mais ainda: este fosso não diminui, antes aumenta de ano para ano.
Vivemos anos difíceis, com orçamentos de Estado para lá de rigorosos em que, não há que escondê-lo, os mais fracos são os que mais sofrem. A classe média tem visto o seu nível de vida afundar-se, nível de vida que, diga-se em abono da verdade, foi alcançado artificialmente com a entrada dos fundos europeus e com o recurso ao crédito bancário. Aos ricos, esses, não conta que a crise tenha afectado muito.
Os objectivos proclamados pelo actual governo como justificação para as medidas impopulares, muitas delas incorrectas e injustas, são os de colocar em ordem, reduzir o défice e fazer com que o Estado funcione melhor e com menos custos. Gostaria pois de ouvir os nossos responsáveis governamentais dizerem que uma das suas prioridades é criar as bases para que a nossa sociedade se torne mais justa e mais solidária. Mais: gostaria de ver que se tomam medidas efectivas nesse sentido. Porque se for para daqui a cinco ou dez anos haver ainda em Portugal 20% de pobres e continuarmos a ser o país da UE onde é maior a injustiça social, então o combate ao défice, o equilíbrio das contas públicas e o Estado mais eficaz, servem para quê?
V.F. da Silva in "Mais Alentejo", Nov.2006
8 comentários:
parabéns pelo regresso!!!
VIVA!
Citando Julio Vilhena: Isto só lá vai com um crime ou uma revolução.
Cpts e parabéns pelo regresso.
A sensação de desamparo e de abandono dos verdadeiros responsáveis é ignóbil...
sim, mts parabéns plo regresso! :)
Texto muito bem estruturado e ideias muito límpidas. Só um senão, relativo não ao texto mas aos que o causaram: acho que andamos há demasiado tempo a escrever e a denunciar os autores destas imbecilidades tão bem denunciados neste post. Já MERECÍAMOS escrever sobre outras coisas, que não estas.
Um bom fim de semana.
A classe média está sufocada, senão a perecer!Não é bom.
Tudo bem, como não podia deixar de ser! Ando tão saturado com quem nos (des)governa que só me apatece dizer que preferia ir viver para Espanha. Todos os países da União Europeia progridem, incluindo os nossos vizinhos espanhóis, e Portugal continua progressivamente a aumentar o fosso que o separa deles :( Todavia, quem ouve os membros do governo até parece que eles é que têm razão e o povo é que é burro. Não precisaremos de outro 25 de Abril? Julgo que sim! E quem sabe se o descontentamento dos militares, hoje manifestado sob a forma de "passeio", não será o prenúncio duma "revoluçaãozinha"?... Em termos políticos, seria a segunda alegria da minha vida!
Excelente análise, como já vai sendo hábito!
Muito necessária para reflexão!
Espanha soube aproveitar, exigir e ter autoridade de seguir em frente!
Nós cada vez mais acabrunhados, deixamos que mandassem em nós. São os espanhóis os alemães, a EU em geral.
As empresas fecham, os contratos são hiper precários, os (alguns)autarcas roubam, os quadros comunitários que vêm da CEE, servem para tudo, menos para o que está destinado.
O fosso entre os ricos e os pobres é assustador!
Portugal, continua a ser os país onde os idosos sobrevivem à fome, com falta de dinheiro, medicamentos, casas condignas, onde o ordenado mínimo é um dos mais baixos, mas também no topo da lista dos carros topo de gama. No ano 2005 o nosso país esteve no top de vendas Ferrari.
GR
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