Com que impressão ficaste da Assembleia da República?
Não fazia ideia nenhuma do que era aquilo. Digo isto agora, depois de ter lá estado estes dois anos. A Assembleia da República é de facto um mundo onde se consegue compreender o funcionamento do Estado. E onde se consegue perceber os jogos de bastidores e os compromissos de poder que ali se formam. Isto faz-nos compreender, a quem lá está, por que é que os dois partidos maiores, o PS e o PSD, num momento em que o País atravessa grandes dificuldades, não apresentam propostas válidas. Porque ambos têm fortíssimas culpas de tudo quanto se passou no País desde que começaram os governos constitucionais.
Foi difícil, a adaptação?
Sabes, tive uma grande sorte e felicidade de encontrar um conjunto de camaradas que já lá estão há muitos anos, e que demonstram não só uma grande capacidade de trabalho e de dedicação, mas também uma vitalidade de memória e raciocínio imediato. Para mim isto foi de uma riqueza imensa e ajudou-me bastante.
Por outro lado, encontrei uma equipa de camaradas jovens, que entraram recentemente. E isto para mim é uma grande felicidade. Sinto que estes jovens estão a dar grandes saltos e a progredir a grande velocidade…
Mas entretanto, renuncias…
Sim, passado dois anos renuncio. E renuncio com grande satisfação. Porque eu entendo que o Partido tem que pensar no futuro e pensar no futuro tem que ser com gente nova que possa entrar e assumir responsabilidades e, quando temos essa gente nova, não a podemos desperdiçar. E nós, na Assembleia da República, temos esses jovens! O camarada que me vai substituir, o João Oliveira, tem 27 anos. Eu tenho quase 70… Por isso, saio com muita satisfação
Que momentos destacas desta tua passagem pela Assembleia da República?
Destacar algum pela positiva é difícil, porque nós dificilmente conseguimos fazer aprovar as nossas propostas… Mas um momento importante da minha intervenção parlamentar deu-se aquando da discussão da lei das Finanças Locais, que é, pode dizer-se, a «minha área».
Outro grande momento que eu passei foi no Conselho da Europa, em que foi levantada a questão de considerar que a ideologia comunista está associada a crimes e barbaridades. Foi uma afronta que, como deputado do Partido Comunista Português, me coube denunciar. E disse que quem foi assassinado e espancado em Portugal foram os comunistas. Pela direita e pelo fascismo.
Foi também muito gratificante para mim levar à Assembleia da República as propostas para o distrito de Évora, pelo qual fui eleito, e também de Portalegre.
É sabido – tu próprio acabaste de o dizer – que as nossas propostas dificilmente são aprovadas. Na tua opinião, e neste quadro, qual é o papel do deputado comunista?
Em primeiro lugar, as intervenções dos deputados comunistas são de uma importância extrema. Digo isto em contraponto a todos os que pensam que, como as nossas propostas raramente são aprovadas, quase que estamos ali a perder tempo. É exactamente o contrário…
O Partido, com a sua coerência, tem vindo ao longo dos anos a fazer propostas sempre com o mesmo objectivo: a defesa dos interesses das populações e das camadas trabalhadoras. As intervenções dos comunistas fazem parte da história da Assembleia da República e farão parte de toda a análise que se vier a fazer no futuro sobre a participação dos partidos na vida democrática. E isso tem um peso muito grande.
O mundo vai dar muitas voltas e a política de direita vai continuar a não resolver os problemas das pessoas. E poderá haver perturbações, manifestações e protestos. E aí os cidadãos sérios e honestos vão encontrar nas intervenções dos deputados do PCP a tal coerência e a tal garantia e solidez para governar o País.
Momentos de uma entrevista a Abílio Fernandes, que pode ser lida na íntegra aqui.
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