sexta-feira, novembro 18, 2005

A América esgotou o seu tempo

...por Paul Craig Roberts [*]
Os vencedores da guerra do Iraque: Al-Qaeda, Irão e empreiteiros militaresGeorge W. Bush ficará na história como o presidente que tocava violino enquanto a América perdia o seu estatuto de superpotência. Bush utilizou o embuste e a histeria para arrastar a América para uma guerra que está a provocar nos EUA uma hemorragia económica, militar e diplomática. A guerra está a ser travada com centenas de milhares de milhões de dólares emprestados por países estrangeiros. A guerra está a esgotar as forças armadas de tropas e comissões. A guerra acabou com a proclamação dos EUA à liderança moral e revelou os EUA como uma potência impiedosa e agressiva. Concentrada numa “guerra contra o terrorismo” inventada, a administração Bush desviou para o Iraque o dinheiro dos diques de Nova Orleans, com a consequência de que os EUA têm agora uma factura de reconstrução de mais 100 mil milhões de dólares a acrescentar à factura da guerra. Os EUA têm tanta falta de tropas que os neo-conservadores andam a defender a utilização de mercenários estrangeiros em troca da nacionalidade americana. As tentativas dos EUA para isolar o Irão foram bloqueadas pela Rússia e pela China, potências nucleares que Bush não consegue intimidar. A Guerra do Iraque tem três beneficiários: (1) a al Qaeda, (2) o Irão e (3) as indústrias de guerra americanas e os comparsas de Bush-Cheney que obtêm contratos sem concurso. Todos os outros ficam a perder. A guerra trouxe à al Qaeda recrutas, prestígio e um terreno para treino. A guerra fez com que o Irão se aliasse à maioria xiita do Iraque. A guerra trouxe enormes lucros às indústrias militares e às empresas com contratos de reconstrução, à custa de 20 mil vítimas entre os soldados americanos e dezenas de milhares de vítimas civis iraquianas. O Partido Republicano fica a perder, porque o seu apoio inflexível à guerra está a isolar o partido da opinião pública. O Partido Democrata fica a perder, porque a sua concordância cobarde com uma guerra a que a maioria dos seus membros se opunha está a tornar o partido irrelevante. As últimas sondagens mostram que a maioria dos americanos acha que os EUA não podem ganhar frente à revolta do Iraque. A maioria defende a retirada e a utilização das despesas de guerra para a reconstrução de Nova Orleans. Apesar da clareza do desejo do público, o Partido Republicano continua a apoiar a guerra impopular. Com excepção dos representantes Cynthia McKinney e John Conyers, os Democratas fugiram do palco da manifestação anti-guerra de 24 de Setembro em Washington, DC. Os cínicos Democratas parece estarem reféns dos mesmos grupos de interesses que dominam os Republicanos e rejeitam o manto de partido maioritário que o eleitorado está a oferecer ao partido que acabar com a guerra. A administração Bush acumula números negativos de mais de 1 milhão de milhões de dólares por ano. O défice orçamental federal está a aproximar-se dos 500 mil milhões de dólares. O défice comercial dos EUA aproxima-se dos 700 mil milhões. O défice orçamental está a ser financiado por estrangeiros, principalmente asiáticos, que detêm neste momento uma dívida dos EUA suficiente para exercerem o seu poder sobre as taxas de juro americanas e sobre o valor do dólar sempre que quiserem utilizar o poder que Bush colocou nas suas mãos. O défice comercial está a ser financiado em troca da entrega de património americano e de futuras fontes de receita a estrangeiros, ficando os americanos mais pobres para sempre por causa da perda acumulada de riqueza. Por enquanto, a China está desejosa de acumular valores americanos como forma de assumir o controlo dos nossos mercados de consumo, atraindo a indústria de manufacturas americanas com mão-de-obra mais barata subsidiada por valores artificiais da divisa, e conquistando a nossa tecnologia. A estratégia da China é sobrevalorizar o dólar americano para encorajar a transferência das capacidades económicas americanas para a China. A estratégia da China confere um valor artificial ao dólar e mantém as taxas de juro americanas artificialmente baixas. Os valores das acções, obrigações e bens imobiliários americanos dependem do apoio que as estratégias económicas asiáticas derem ao dólar e às taxas de juro americanas. Quando a Ásia atingir o seu objectivo de superioridade na manufactura, na inovação e na evolução de produtos, a estratégia vai mudar. Quando a China completar a sua aquisição das capacidades americanas, deixa de existir razão para apoiar o dólar. Quando o dólar for abaixo, os custos, os lucros, as taxas de juro e os padrões de vida serão afectados de forma dramática. Os custos e as taxas de juro vão subir em espiral, e os lucros, os padrões de vida, os valores das acções, os preços das obrigações e os bens imobiliários vão afundar-se. Estes acontecimentos desagradáveis só estão à espera da decisão da Ásia de cortar o seu apoio à situação devedora dos EUA. Isso vai acontecer quando esse apoio deixar de servir os interesses da Ásia. Quando a Ásia tirar o tapete ao dólar, o governo americano vai perceber que a política monetária e fiscal são impotentes para contrabalançar as suas consequências. Comparados com os défices orçamental e comercial dos EUA, os terroristas são uma preocupação menor. O maior perigo que os EUA enfrentam é o dólar perder o seu papel de divisa de reserva. Isto será um acontecimento empobrecedor, de que os EUA nunca mais se recomporão. Um governo inteligente deveras preocupado com a segurança nacional encontraria uma forma de suspender o leilão de mão-de-obra global que está a esvaziar a economia americana de postos de trabalho de alto valor acrescentado e da sua capacidade de manufactura, o que tem levado o défice comercial americano a aumentar explosivamente. A perda da base fiscal que decorre de as empresas americanas contratarem mão-de-obra e localizarem a produção no estrangeiro torna cada vez mais difícil equilibrar um orçamento esticado pela guerra, pelos desastres naturais e pelo impacto demográfico na Segurança Social e Cuidados de Saúde. O leilão de mão-de-obra global está a desmantelar rapidamente as escadas que conduzem a uma mobilidade ascendente e, portanto, a pôr em perigo a estabilidade política americana. Esta ameaça é muito maior do que qualquer Osama bin Laden pode representar. Os Republicanos e os Democratas estão a ficar sem tempo para sair da confusão duma guerra sem sentido e para se concentrarem nas verdadeiras ameaças que põem em perigo os Estados Unidos da América.26/Setembro/2005
[*] Ex-secretário assistente do Tesouro na administração Reagan, co-autor de The Tyranny of Good Intentions. Contacto: paulcraigroberts@yahoo.com. O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/roberts09262005.html. Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .02/Out/05

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