quinta-feira, setembro 22, 2005

Ignobilidade!!!!

Da bola e outras coisas redondas
SOARES.
A Grande Reportagem publicou esta semana em exclusivo documentos desclassificados sobre os contactos – vamos chamar-lhe assim – de Carlucci no Portugal pós-revolucionário. Soares foi então a aposta dos EUA para, digamos, moderar a revolução. Uma aposta bem sucedida como se sabe. Na prática, um bom investimento. Da Casa Branca e da CIA. Na investigação, fica-se a saber muito do que já se desconfiava sobre o colaboracionismo de Mário Soares com os interesses norte-americanos no nosso país. Só que, desta vez, oficialmente. Com papéis. Percebe-se também que Soares fazia fita quando se indignava com as suspeições de então e garantia não receber um dólar dos EUA. Era verdade: não foi um dólar, foram alguns milhares. Os documentos comprovam que Soares, o nosso Mário, até pediu armas à Casa Branca, mas Kissinger preferiu dar-lhe dinheiro. Ele aceitou, claro. Nos EUA, repousa ainda nos arquivos nacionais, em absoluto secretismo, um ficheiro sobre Soares, ainda inacessível por razões de «segurança nacional». É uma pena. É precisamente por razões de segurança nacional que, por aqui, dava imenso jeito saber o que lá está.CAVACOPor esta altura, sua Excelência não quer falar sobre a mais do que certa candidatura presidencial. Não quer fazer ruído, diz ele. Aplauda-se. Pela primeira vez, o antigo primeiro-ministro admite, ainda que timidamente, que qualquer coisa que lhe saia da boca perturba quem o vê e ouve.CARRILHOTambém por razões de segurança nacional, apetece-me dizer que o candidato do PS à Câmara de Lisboa devia ter, pelo menos, umas aulas de boas maneiras. O não ter cumprimentado Carmona à saída de um debate televisivo é apenas um sinal de que o homem não está bem. O problema nem sequer é a falta de educação, entenda-se. Mas se ele faz aquilo e ainda não é presidente, imagine-se o que não aconteceria se lá chegasse. Ainda prometia uma tareia a alguém.Notícia retirada daqui.

quarta-feira, setembro 07, 2005

Lei da Água

Lei da Água gravemente danosa prestes a ser aprovada à revelia dos cidadãos A maioria parlamentar prepara-se para aprovar dia 29 de Setembro na Assembleia da República uma Lei da Água que permite ao governo vender a água, os rios, as albufeiras, as praias e os portos de Portugal. A metodologia adoptada pela Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território da Assembleia da República faz tábua rasa das alternativas presentes e substitui por um simulacro a participação pública que nunca ocorreu. Baseia-se exclusivamente na proposta do Governo e resume o processo "público" à solicitação de parecer escrito a algumas entidades (pedido emitido a 22/7 para responder até 10/8) e a uma Audição Parlamentar Pública no dia 14/Setembro — inscrições até 09/Setembro (fax: 21 391 7448, email: Comissao.7a-CPLAOT@ar.parlamento.pt ). Das entidades constantes da lista aprovada, várias não foram contactadas. A divulgação das alternativas, dos pareceres recebidos e da própria audição parlamentar é nula, contrastando com a campanha publicitária de que tem sido alvo a proposta do Governo. A Associação Água Pública apela à participação activa, incluindo na Audição Parlamentar, à reivindicação de um processo aberto e sério, da defesa do direito de todos se pronunciarem e do direito a conhecer as alternativas e as críticas fundamentadas. Apela à defesa firme do acesso à água, às praias, aos rios, às fontes e às infraestruturas, e do direito de utilização da água que esta lei nos espolia. A Associação Água Pública lançou conjuntamente com o STAL um Abaixo-Assinado para suspensão desse processo e apela à sua subscrição urgente em http://www.stal.pt/abaixoassinado.asp?id=2ver Comunicado e Síntese das Propostas.

domingo, setembro 04, 2005

A vida pode ser eterna!

"A admissão da estabilidade de um mundo a que se não podem mostrar os corações, força a lançar rápido e iluminado olhar ao tempo em que se esperou, em que os ora desalentados ainda tinham fé no que hoje não é presente e então parecia vir a ser futuro. Uma derrota profunda e dorida leva muitos a pensar que haverá sempre e só derrotas. Ver morrer os outros vencidos; talvez também morrer vencido. No vasto mundo muitas vezes se apagam vidas, ao procurarem derrubar velhos e endurecidos troncos. E há sempre quem represente o papel de irmão desalentado: «Para quê viver? Coisas que sempre foram e hão-de ser... O homem vive encadeado a leis irresistíveis. Inúteis os sacrifícios dos que procuram modificar os seus ditames». Como se os homens não pudessem construir a sua própria história. Como se as leis da evolução das sociedades não reservassem lugar à vontade humana.Horas de dor, de sofrimento, de tragédia. Horas em que a expectativa da morte baila com insistência ante os olhos.Então o homem sente necessidade de justificar a sua própria existência. Há que dar uma resposta às perguntas: «que andei e que ando por cá a fazer? Que tenho feito pelos outros e pela história?»O homem teme deixar de ser na terra. Um sono sem despertar choca violentamente contra a estrutural vontade de viver. O ser recusa-se a aceitar o próprio desaparecimento. O apagamento total e sem apelo é incompatível com a existência actual.Por isso, aqueles que acreditaram e não crêem fogem, afastam-se, renunciam. Por isso também há homens que projectam a sua existência para além da morte. Uma alma que voe para rumo extra-terreno. Ou um ser que se desintegra para subsistir integrado em novos seres. Qualquer coisa que justifique o caminho percorrido entre o nascimento e a morte. Sonha-se para fora da terra com uma vida que nesta se não tem. Ou sonha-se com o que fica...A morte é elemento essencial da vida. Mas isso não basta para que se aceite sem mágoa. É que a pergunta: «deixarei de ser hoje? amanhã?» - intensifica e aproxima o grande problema de consciência: «O que andei por cá fazendo? Que fica sobre a terra da minha passagem sobre a terra?»Não satisfaz uma vida além-túmulo, mesmo que a imaginação empreste à alma asas imateriais. É esta terra donde brotou o pão que manteve o corpo e a água que matou a sede, esta terra donde tudo (mesmo pouco) nos veio e para onde iremos – e é esta humanidade a que pertencemos, este grande colectivo a que nos liga o sangue, o amor, o ódio e a interdependência – é esta terra e esta humanidade que nos exigem uma explicação.Assim o problema da morte é o problema da vida. Depois que desapareça tudo o que de nós houve! Ou que subsista a alma! Ou que os vermes perpetuem a existência do nosso corpo!Mas a expectativa da morte ou dum futuro de sombras perpétuas (que derrotas intensificam) chama a recordação do passado. Que poderia ter feito para que meu irmão não fosse vencido? Não lhe deixei só a ele uma tarefa que também me pertencia? E ainda... Que foi feito de toda esta energia dispendida em vida e tão sofregamente sugada? Que fica – não do meu corpo ou da minha alma – que fica das minhas acções duma vida inteira?E a perpetuidade da nossa vida, a resistência contra um breve deixar de ser, fixa-se neste ponto vital: a justificação e perpetuidade das próprias acções, do que se fez no caminho percorrido entre o nascimento e a morte.Haverá espectáculo mais doloroso que o do velho que olha atentamente o passado, medindo cada passo, avaliando o efeito de cada gesto, e por fim tem um grito de desalento, remorso e desespero: «uma vida inútil...?» Haverá constatação mais angustiosa que a da própria inutilidade? Não será precisamente essa constatação que as mais das vezes leva ao desejo de não ser? A inutilidade da vida é a afirmação de que nada fica das acções praticadas, de que se gastou o tempo a queimar tempo.E então talvez valha a pena fitar a morte e esperar o para lá. A não ser que se olhe em frente – mesmo que o limite se espeque num amanhã irrefutável – e se marque uma finalidade à vida.Quando a perspectiva da morte ou dum futuro trágico baila ante todos, até os jovens, como os velhos, olham o passado. E, depois, quantas vezes o desinteresse e a renúncia não vêm juntar a uma derrota ou a um momentâneo recuo colectivo, uma irremissível derrota individual....Porém, quando assim se não voga ao sabor da corrente, mas antes se escolhe caminho e se marcha, novamente o futuro sorri, à nossa vida ou à nossa morte. Sorri porque nele se adivinham marcadas as acções que vão ser praticadas. Porque a nossa vitalidade é afinal a direcção do que vem. Porque se ganha confiança na perpetuidade dos nossos actos. Subsiste a alma? O apodrecimento e desintegração é a última étape? Que interessa isso, se ganhámos uma nova eternidade!Enquanto a humanidade for humanidade, as acções que hoje praticamos estarão sempre presentes, resistindo ao tempo e ao esquecimento a que nos votarão os nossos netos. Já os nossos corpos terão perdido a forma humana, já as suas partículas viverão separadas e dispersas e ainda nas sociedades futuras os efeitos dos efeitos das nossas acções evocarão a nossa passada existência. Com esta concepção, sentimo-nos (hoje) obreiros anónimos do futuro. Ao problema da morte, do não ser, responde satisfatoriamente a certeza consoladora deste prolongamento da nossa existência. Se se pudesse falar em eternidade, esta seria a única eternidade da nossa vida, como seres pensantes e voluntariosos.Por isso, quanto mais sorridente é a visão do mundo que fica, quanto mais funda é a consciência de que tudo se fez para deixar aos filhos valiosa herança, menos dura e menos brutal aparece a visão da morte.Não se trata de olhar para trás e perguntar com angústia: «que fiz? que fiz?» Trata-se de olhar em frente e perguntar com confiança e serenidade: «que poderei ainda fazer?» Não é só um exame de consciência que urge fazer: é também um apelo à consciência!Com tal procedimento não se visa conquistar a absolvição dum juiz que após a nossa morte nos venha a ter em frente sentados no banco dos réus. Além da história, ninguém nos pedirá contas. Nem a nós, nem aos nossos espectros. Somos nós que nos devemos interrogar e julgar. Isso nos exige a vontade de viver e de perpetuar a nossa existência. Isso nos exige a gratidão. Isso nos exige a lembrança dos irmãos que morreram ao pretender desenraizar endurecidos troncos. Pode não conhecer-se o triunfo. Mas pode soçobrar-se, sem que no mundo fiquem só trevas. Talvez assim nos venha acalentar a necessidade dum sacrifício heróico. E então, porque não falar em felicidade?Num mundo em que não há risos sem lágrimas, a felicidade nunca pode ser uma situação com caracteres próprios e momentâneos. A felicidade não pode existir, não existe, como situação particular: nem quando dependente de factos estranhos à própria vontade; nem como ideia abstracta. A felicidade só pode existir como um atributo de toda uma vida. Só a satisfação pela vida que se vive poderá tornar feliz. Há então que não subordinar as acções ao alcance dum prazer. Mas antes amoldar a ideia de felicidade à vida que se vive.Quando não nos sentimos meros joguetes da evolução mas, pelo contrário, sentimos que, mesmo ao de leve, as nossas energias modificam o seu ritmo. Quando sabemos ser leais, rectos e solidários. Quando amamos profunda e extensamente e nos sentimos capazes de sacrificadas demonstrações do nosso amor. Somos felizes porque não desejamos outra vida, porque sentimos preenchida a própria função humana. A felicidade só existe assim como condição da consciência da própria utilidade. Não dispersar actividades. Proceder com um critério. Ser coerente em todas as atitudes. Agir com uma só linha de conduta. Ter fé na própria vontade, embora aceitando as suas determinantes. Convicção de impotência e felicidade excluem-se.Assim far-se-á da própria vida uma vida feliz. Feliz nas horas de ascenso e nas horas de derrota. Feliz na alegria e na tristeza. Porque, na felicidade, prazer e dor interpenetram-se. Até o estertor final pode conduzir à felicidade pela convicção de que se morre bem. Não pode haver felicidade sem dor, porque esta é inseparável da vida. Que se sofra! Mas que as vontades saibam amordaçar o sofrimento para triunfar. E para isso, é necessário forjar nos peitos o desinteresse pessoal por prazeres efémeros, a rijeza de aço para lutar, o esclarecimento das exigências dos sentidos. Através da dor e da angústia, corações ao alto!Se a felicidade é dada pela satisfação da linha de conduta, pela satisfação de que se procede bem, nada, nada, nem os gritos da própria carne esfacelada, nem lágrimas de emoção, nem a revolta instante e desesperada, pode destruí-la. Porque, acima dos próprio gritos, das próprias lágrimas, do próprio desespero, fica sempre a certeza duma vida voluntariosa e independente ou – se se preferir a expressão – recta, leal, digna.Então suporta-se a dor e ama-se a vida. Podem as leis da natureza esfrangalhar o corpo. Podem os órgãos começar cansando. E as pernas vergando de fadiga. Amortecendo-se a percepção. O corpo começar em vida o seu desagregamento. Poderá bailar ante os olhos a perspectiva da morte e o fim especar-se num amanhã irremissível.E haverá sempre vontade de continuar, procedendo sempre e sempre duma forma escolhida, marchando sempre para um destino humano e uma missão terrena voluntariosamente traçada. Haverá sempre anseio de continuidade e aperfeiçoamento.Atravessar-se-ão tragédias com lágrimas nos olhos, um sorriso nos lábios e uma fé nos peitos."Excerto de um artigo de Álvaro Cunhal, publicado, em «O Diabo» n.º 233, de 1939, então com 26 anos de idade.