Hoje deu-me para folhear um livro (vá-se lá saber porquê...) editado há já alguns anos pela autarquia deste concelho, intitulado "Cantadores de Alegrias, Mágoas e Mangações".A arte da palavra, e da palavra poética em particular, faz parte da cultura portuguesa e é tão antiga como a própria língua.A inventiva oral-popular dos cantadores, com grandes rasgos de originalidade, baseia-se quase toda nas chamadas décimas, (forma poética semelhante à redondilha) e ainda em uso em toda a região alentejana.Quero partilhar com vocês umas décimas do ti Anastácio Pires, que infelizmente já não se encontra entre nós, mas que nos deixou como legado palavras sábias em forma de poesia.E, como o 8 de Março foi apenas há 2 dois dias, aqui ficam os seus versos cantados por ele em homenagem à sua mulher e que eu roubo, para lhos devolver em homenagem ao grande poeta popular, que viveu neste concelho.
MOTE
A minha mulher amada
Que nunca ralha comigo
Quando ela estiver zangada
O gato sofre um castigo
Se o gato em casa entrar
Prega-lhe com um sapato
-Tal é o estupor do gato
Anda só a patear!
Andei a casa a lavar
Já está toda pateada
Já que não me ajudas nada
Não me estragues o que eu fiz
_Mas a mim nada me diz
A minha mulher amada
Se o gato se for deitar
Em cima de uma cadeira
Dois sopapos na lombeira
Não está livre de apanhar.
Só de o ouvir miar
Põe-se ela desafinada
_O que é que quer a empada?
Se queres comer vai fazê-lo.
_Não lhe queria estar no pelo
Quando ela estiver zangada
Se o gato estiver sentado
Lá ao lume à chaminé
Ela dá-lhe um pontapé
Que ele abala de alma ao lado
_Aqui está escarrapachado
Só gosta de bom abrigo
Por causa dele nem consigo
Pôr as panelas ao lume
-Mas tem um belo costume
Que nunca ralha comigo.
Se eu no café me descuido
Chego a casa não se queixa
Mas só que o gato se mexa
Carrega com o canudo*
O gato papa com tudo
Sem perceber do artigo
Eu percebo mas não ligo
Finjo até não perceber,
Sem culpa nenhuma ter
O gato sofre um castigo.
REMATE
Tirai nota povo honrado
O que vos digo é exacto
Se eu não possuísse um gato
Eu é que estava enrascado,
Era eu o condenado
Tenho a firme certeza
Que a mulher tem natureza
De ralhar um bocadinho,
Mas o bom do meu gatinho
É uma grande defesa.
* Tubo de cana ou de ferro para atear o lume de chão.
(Post recuperado)
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